O Endevour, o espaço e o mergulho
Por Jose Nestor Cardoso, Oceanólogo, Instrutor de mergulho PADI, IANTD, CMAS, Mergulhador científico BRE001
1981 foi um ano importante para o mundo. Nos Estados Unidos o republicano Ronald Regan torna-se o 40º. Presidente.
Dois atentados contra lideres mundiais acontecem, um contra o próprio Regan e outro contra o Papa João Paulo II, felizmente ambos fracassaram.
Não podemos esquecer que Nelson Piquet, um de nossos maiores automobilistas alcançou seu primeiro título mundial na Fórmula Um. Coincidentemente Felipe Massa, outro ídolo do mesmo esporte nascia neste mesmo ano em São Paulo.
Mas em novembro de 1981 Claudio Coutinho técnico da seleção brasileira em 1976/77, um excelente atleta e inovador nas estratégias de futebol morreu enquanto praticava caça submarina nas Ilhas Cagarras no Rio de Janeiro.
Assim como ele morreu uma constelação de conhecidos e jovens atletas da apneia, todos eles exímios e experimentados mergulhadores, campeões e recordistas. Além destes expoentes bem conhecidos uma legião de mergulhadores anônimos, especialmente caçadores submarinos também se foram em consequência de apagamento.
A DAN – Divers Alert Network uma instituição americana que nasceu dentro da Duke University na Carolina do Norte e que estuda praticamente tudo sobre mergulho, contabilizou 955 acidentes de mergulho livre entre 2004 e 2017 sendo 73% deles fatais. E eu tenho muitas razões para acreditar que este número está grandemente subestimado, especialmente pela falta de informações e um sistema de registro eficiente na maioria dos países.
Vou apenas listar alguns nomes que me vem a mente, sem sequencia lógica.
Natalia Molchanova, morreu aos 40 anos; russa múltiplas vezes recordista mundial de profundidade em várias modalidades.
Afonso Celso múltiplas vezes campeão catarinense de caça submarina.
Conrado Malta, um dentista de 27 anos, campeão mundial de caça submarina pelo Brasil.
Audrey Mestre, aos 28 anos, então esposa de José Pipin Ferreras um cubano que já foi recordista e após vários apagamentos em que foi recuperado a tempo investiu na esposa, uma jovem francesa para, como treinador para alcançar novos recordes.
Faleceu na República Dominicana e o mergulhador de segurança Carlos Serra escreveu um livro sobre este acidente fatal tentando encontrar respostas para a morte de sua amiga.
Loic Leferme fundador da associação de mergulho livre AIDA morreu no sul da frança aos 36 anos tentando bater seu próprio recorde.
Nicholas Mevolli da Florida morreu aos 32 anos tentando um recorde nas Bahamas em 2013. Recuperado morreu posteriormente de edema pulmonar resultado da imersão profunda.
Patrick Musimu companheiro de recorde em duplas com a brasileira Karol Meyer morreu enquanto treinava na piscina de sua casa em Bruxelas na Bélgica.
Não é possível que alguém aceite como verdade quando alguém lhe promete treinamento, técnica e experiência como fatores decisivos para evitar um apagamento. Todas estas estrelas tinham estes elementos em um nível superior a qualquer instrutor que faça promessas vãs.
O apagamento é um acidente insidioso, silencioso e quase sempre fatal. Não acontece com mergulhadores iniciantes. Acomete apenas os melhores. Aqueles há quem já falta pouco para se tornarem peixes. Quando pensam que já não precisam respirar desmaiam debaixo d’água, ou às vezes até mesmo ao chegar à superfície.
99% dos apagamentos ocorrem entre cinco metros e a superfície. E ao contrário do que a maioria dos mergulhadores e instrutores de apneia tenta passar, a vítima de apagamento sente-se perfeitamente bem imediatamente antes do apagamento segundo Ted Harty, recordista, e ex-técnico da seleção americana de mergulho livre.
Caçadores submarinos mergulham muito sozinhos. Para pegar mais peixes e evitar a competição saem um para cada lado. Muitas vezes fatalidades poderiam ser evitadas com uma singela assistência de um companheiro.
Mas o homem morre pela cobiça. Todos os eventos que levam a um apagamento em mergulho mostram que é um ato compulsivo. Existe uma necessidade premente de fazer algo, mesmo sabendo que é ariscado e pode ser sem volta.
A explicação e o mecanismo de um apagamento podem ser explicados de forma relativamente simples através da fisiologia da respiração.
Nós inspiramos ar através de uma mecânica de diferenças de pressão entre o ambiente e a cavidade torácica.
Com a contração da musculatura do diafragma (outros músculos acessórios não serão abordados a fim de facilitar o entendimento) a caixa torácica se amplia criando uma baixa pressão que suga o ar para dentro dos pulmões.
O ar ambiente é rico em oxigênio, por volta de 21%. E aqui talvez muitos se surpreendam ao descobrir que praticamente 80% do ar não é oxigênio, e sim nitrogênio.
Gênio!!!! Como ninguém jamais percebeu que respiramos tanto nitrogênio? Pela simples razão que ele é (felizmente) apenas um diluente para o oxigênio, sem função fisiológica nenhuma.
No pulmão este ar rico em oxigênio encontra uma atmosfera carregada de gás carbônico resultado da queima metabólica. Ou seja, nosso corpo usa o oxigênio do ar, distribuído pelo sangue, promovendo reações químicas as mais diversas para produzir energia, calor e alimentar o funcionamento celular.
O gás carbônico resultado deste metabolismo é levado pelo sangue de volta aos pulmões e fica lá concentrado até se misturar com o ar novo que acaba de chegar aos pulmões em cada ciclo respiratório.
Durante a expiração a qualidade do ar expirado é uma mescla entre o ar inalado e o ar contaminado dos pulmões.
O pouco oxigênio que é absorvido através da parede pulmonar já é suficiente para nosso funcionamento correto.
Acontece que mais exercício demanda mais energia e consequentemente necessitamos respirar mais rápido e mais profundo para atender a demanda e eliminar a “fumaça da combustão”.
Tudo isto é controla do pelos centros inspiratórios e expiratórios localizado na região do bulbo, no cérebro.
E para ativar estes centros existem diversos receptores químicos em pontos chaves do corpo que funcionam como os sensores da injeção eletrônica dos carros. Percebendo alterações na qualidade do sangue ativam os centros que regulam a respiração.
Durante mergulhos longos os mergulhadores realizam uma manobra conhecida como hiperventilação, que consiste em respirar profundamente várias vezes em sequencia.
E chamamos a este exercício hiperventilação, erroneamente chamada pelos antigos de hiperoxigenação, porque o sangue normalmente já carrega toda quantidade de oxigênio que consegue, mesmo durante a respiração normal. Podemos verificar isto ao estudarmos a Curva de Dissociação do Oxigênio na Hemoglobina, um gráfico em forma de curva sigmoide que relaciona a saturação do oxigênio na hemoglobina com a pressão parcial do mesmo.
A hiperventilação altera a composição dos gases no pulmão, pois baixa muito a concentração do gás carbônico, permitindo enganar o centro respiratório.
Isto ocorre ao descobrirmos que o principal gás que estimula o centro respiratório é o gás carbônico. Como ele está bastante concentrado no pulmão e tem mínima concentração na atmosfera, a rápida sequencia de respirações profundas diminui consideravelmente seu nível, retardando o impulso de respirar até um ponto em que a falta de oxigênio durante a apneia provoque o “desligamento” do cérebro.
Pois que o cérebro é bastante exigente e requer as condições ideais para funcionar.
E uma pessoa desmaiada debaixo d’água é uma pessoa morta, ainda que este desmaio possa ser momentâneo, o primeiro instinto ao recobrar a consciência será de respirar.
Por isto uma singela ajuda de um companheiro que traga a vitima para a superfície e a estabilize até que tenha condições de recobrar totalmente a consciência é a diferença entre a vida e a morte.
Neste mesmo ano de 1981 foi lançado do Cabo Kennedy na Flórida o primeiro ônibus espacial. Foram 136 lançamentos com dois acidentes fatais.
Tive a possibilidade em novembro de 2008 de assistir ao vivo o lançamento do Endeavour. É algo grandioso, descomunal, difícil de entender mesmo assistindo.
Estava em viagem pelos Estados Unidos quando voltava dirigindo de Port Huron no estado de Michigan, fronteira com o Canadá, até Miami.
Haviamos passado por Ohio, Kentucky, Tennessee e Geórgia antes da Florida.
Em Atlanta na Geórgia visitamos seu impressionante aquário com direitoa uma exposição especial do Titanic.
Estava acontecendo o show aero espacial no Cabo Kennedy e junto com meus amigos Toninho e Sandro assistimos a um show incrível, com diversidade de aeronaves de asa fixa e rotativa e para terminar o espetáculo estava programado o show dos Blue Angels, que é o esquadrão de demonstrações da Marina Americana com seus Boeing F-18.
Eu já havia assistido a Esquadrilha da Fumaça algumas vezes, inclusive de menino numa demonstração em Tubarão – SC e no antigo aeroporto de Criciúma quando ainda eram usados os Noth American T-6 Texan.
Os shows da querida Fumaça são envolventes e não perdem em audácia para os americanos. A diferença é a potencia dos birreatores dos F-18. Mas enquanto estes tem que fazer uma longa volta demorada e afastada, nossa estimada Fumaça agora com os nacionais Super Tucanos T 29 estão sempre sobre nossas cabeças como um enxame de marimbondos.
Toninho viajava naquela noite de sábado para o Brasil, assim que eu e Sandro para não perder os Angels viajamos a Miami ida e volta para o show de domingo, após despacharmos o amigo.
Na próxima sexta-feira depois de mergulharmos durante a semana em Boca Raton e Deerfield Beach onde o Sandro teve sua experiência de mergulho a 27 metros, saímos cedo para assistir o lançamento da Endeavour.
Primeiro que Sandro teve uma experiência incrível, após o medo inicial e recusa em descer, ainda na superfície, pedi que focasse apenas em mim, olho-no-olho e me tivesse como única referencia. Antes que se desse conta estava tocando os pés na areia branca do fundo logo ao lado de um lindo recife de corais.
Mergulhamos calmamente tendo como limite unicamente a informação dos computadores, que mesmo mergulhando com Nitrox, parece que passou voando.
Como chegamos cedo e o lançamento seria às 20 horas deitei no gramado, ainda com pouca gente e dormi profundamente. Ao acordar estava rodeado de uma multidão e não via o Sandro.
Somente pelas 21:00 horas, depois que a contagem regressiva foi interrompida, no que eles chamam de “janela”, devido a falta de uma trava na porta do Ônibus Espacial, e de os engenheiros concluírem que não apresentaria risco, a contagem foi retomada e ocorreu o lançamento.
Acompanhávamos ao vivo em um telão gigante um dos astronautas das missões anteriores explicando passo-a-passo cada momento que antecedia o lançamento.
Levei um tremendo susto até entender a explicação do astronauta, pois ao contrário do que imaginava o bólido não sobe na vertical todo o tempo, e sim descreve uma longa parábola até entrar em órbita.
Apenas muito depois, quando a multidão começava a dispersar é que reencontrei meu amigo Sandro e retornamos a Boca Raton, uma viagem de 300 Km. E era a quinta vez em uma semana.
Já era praticamente hora de retornar ao Brasil depois de cruzarmos os EUA, primeiro de avião de sul a norte e depois retornando de norte a sul dirigindo por muitos estados; assistido a um show aéreo que é um espetáculo ímpar e termos tido o privilégio de assistirmos ao vivo o lançamento de uma nave que mostra toda a engenhosidade do homem. E ainda termos mergulhado num ambiente que requer mais adjetivos do que sou capaz de pensar para descrever.
Assim como no mergulho o espaço não é o ambiente para o qual fomos planejados, mas estamos dominando a ambos, talvez mais o espaço do que o fundo do mar.
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